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Alise Formenti

O Termo Declaratório de União Estável e o papel do Registrador Civil

Atualizado: 9 de set. de 2023

O presente artigo tem a finalidade de refletir sobre a nova atribuição outorgada ao Registrador Civil (adiante mais detalhada) e os efeitos desses atos.


Já adiantamos o esclarecimento ao leitor que, embora feitos perante o registrador, a publicidade do ato depende de registro próprio em livro especial (Livro E) da serventia registral.


Sabemos que a União Estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar, e baseia-se na teoria da aparência. Trata-se de situação de fato, que gera efeitos jurídicos como: direito de herança, meação e partilha de bens comuns, alimentos, pensão, outorga convivencial, etc. Sua constituição não depende de qualquer formalidade: basta a vida comum do casal, de forma pública, continua e duradoura, com objetivo de constituir família, para que se configure a entidade familiar formada pela união estável e dela decorra a proteção estatal.


Essa "facilidade" na sua formação leva os casais a preferí-la em detrimento do casamento. No entanto, na prática, vemos que é no decorrer dessa união, e na sua dissolução que essa "facilidade" dá lugar aos conflitos e problemas, não levados em consideração inicialmente pelo casal.


Isso porque, sempre que o casal for exercer algum direito decorrente dessa união informal, deverá fazer prova dela, do seu termo inicial e período de duração, o que acaba dificultando e até prejudicando uma (ou ambas) as partes.


Por isso, o Estado tem buscado formas de estimular os conviventes a formalizar e publicizar suas uniões.


O Provimento n.º 37/2014 do Conselho Nacional de Justiça foi um importante marco. Criou o registro facultativo da União Estável no Livro "E" do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Sede, ou 1º Subdistrito, da Comarca em que os companheiros tiveram seu último domicílio.


Na redação original, os títulos admitidos a registro eram apenas:

a) sentença declaratória de reconhecimento e dissolução, ou extinção;

b) escritura pública de contrato e distrato envolvendo união estável.


Vejamos. O registro é facultativo. Sua finalidade é fazer com que os efeitos da União Estável deixe de ser apenas entre o casal e passe a relação a ser conhecida por toda a sociedade e pelo Estado, podendo, então, ser oposta contra todos.


A Lei n.º 14.382/22 trouxe uma novidade: incluiu no rol acima mais um título admitido a registro, qual seja: “Termos Declaratórios de Reconhecimento e de Dissolução de União Estável” formalizados perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, com exigência da assistência de advogado ou de defensor público, no caso de dissolução, nos termos da aplicação analógica do art. 733 da Lei n.º 13.105, de 2015 (Código de Processo Civil) e da Resolução n.º 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça. (incluído pelo Provimento n. 141, de 16.3.2023).


O objetivo da lei foi facilitar ao casal a formalização da sua união, bem como o exercício dos direitos dela decorrentes. Sabemos que além dos títulos acima, temos muitas uniões formalizadas por instrumento particular, que são válidas entre o casal, no entanto, não são títulos admitidos ao assento registral, situação em que fica a publicidade fica prejudicada e também a sua oponibilidade contra terceiros.


Mas vamos falar mais sobre o Termo Declaratório de Reconhecimento de União Estável.


Trata-se de um título previsto em lei, com a intervenção do Registrador na sua formação, que serve para formalizar a união estável ou sua dissolução, com efeitos entre as partes, onde há a possibilidade de serem declarados a data de início, o regime de bens adotado e até mesmo menção à alteração do nome (com inclusão de sobrenome do companheiro(a)).


No nosso entendimento, embora formalizado perante o Registrador Civil, esse ato possui muito mais características de um ato notarial do que registral; e não podemos confundir ou deduzir que este ato do registrador possui os mesmos efeitos que os registros “típicos” que lhe são atribuídos.


Conforme dispõe a Lei 8.935/94, a competência para formalizar juridicamente a vontade das partes é do Tabelião. É ele quem auxilia a formação dos títulos, enquanto aos Registradores são delegadas as funções de publicizar os atos previstos em lei, garantindo sua eficácia e publicidade social.


É provável que essa nova atribuição recebida pelo Registrador tenha levado mais em consideração a capilaridade e acessibilidade que essas serventias possuem do que a finalidade principal dos seus atos, que é a publicidade registral, seja constituindo, seja declarando fatos jurídicos relacionados à pessoa natural. Isso porque os referidos “Termos Declaratórios” não geram a publicidade registral própria da atividade do registrador, assim como o faz nos assentos de casamento, nascimento e óbito.


Percebamos. A lei não criou um novo livro de registro no Registro Civil das Pessoas Naturais, no qual seria lavrado os termos declaratórios, assim como se faz com o assento de casamento. Os termos serão arquivados em classificador próprio, como um ato de arquivamento de documentos, em relação ao qual será expedida a certidão desse arquivamento.


Para garantir a publicidade e sua oponibilidade erga omnes, mesmo o termo sendo lavrado pelo Registrador, ele deverá ser levado a registro no Livro "E" da Sede da Comarca (ou 1º Subdistrito), assim como a sentença judicial e a escritura pública.


O registrador aqui vai atuar na (i) formação do título, colhendo a manifestação de vontade; (ii) verificando capacidade; (iii) assessorando o casal das consequências jurídicas, (iv) colhendo as assinaturas no termo (que será arquivado na Serventia) e (v) emitindo em papel de segurança uma via do termo com a assinatura do Oficial. Uma via do termo será arquivada na Serventia e informada na Central do Registro Civil, em campo próprio para elaboração de um índice de localização, diferente das cargas feitas quando realizado um assento típico, que, além de elaboração de índice também serve para informar outros entes estatais (INSS, Instituto de Identificação, Justiça Eleitoral).


De acordo com o novo diploma, os companheiros poderão formalizar a União Estável por Termo Declaratório perante qualquer Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, de livre escolha do casal. Mais uma vez, essa liberdade de escolha do Oficial confirma nosso argumento de que a atividade do Oficial na elaboração do Termo Declaratório é muito semelhante à do Tabelião, cuja atuação não se vincula a limites geográficos na lavratura dos seus atos (artigo 8º da Lei 8.935/94), destoando dos atos próprios do Registrador (artigo 12, da Lei 8.935/94) – com limites territoriais, nos termos da lei.


Quanto aos emolumentos, o Provimento n.º 141/2023 do CNJ, no art. 1-A, § 6º, dispõe que, enquanto não houver lei específica estadual sobre os emolumentos, será devido ao ato o valor de 50% (cinquenta por cento) dos emolumentos para habilitação de casamento.


A escolha do regime de bens também será esclarecida pelo Oficial, com destaque para a informação de que a escolha por regime de bens diverso do legal não possui efeitos retroativos, mas sim efeito "ex nunc". Deve-se verificar, inclusive, a necessidade de imposição, se o caso, do regime da separação legal de bens.


O provimento prevê, ainda, que, na conversão da união estável em casamento, no caso de escolha de regime de bens diverso do legal já escolhido pelos companheiros em Termo Declaratório, Sentença Judicial ou Escritura Pública, não há necessidade de lavratura de Pacto Antenupcial; e que referidos títulos são aptos a registro em livro especial no Registro de Imóveis do domicílio do cônjuge, acompanhados da certidão da conversão da união estável em casamento (artigo 9-D, §6º do Prov. 37/2014 alterado pelo Prov. 141/2023).


Na prática, a união estável demanda muito mais complexidade do que o casamento, enquanto este é (i) realizado em um único cartório, com a publicidade decorrente do próprio registro, (ii) não demanda mais nenhum ato complementar das partes, (iii) possui data de início fixada e (iv) regime de bens previamente escolhido na habilitação de casamento; aquela (i) pode ser formalizada de diversas formas, inclusive, por instrumento particular, (ii) traz ainda incertezas quanto ao regime de bens aplicável e (iii) o termo inicial da referida união.


Nos próximos artigos, continuaremos a falar sobre o Provimento n.º 37/2014 do Conselho Nacional de Justiça e sua alteração pelo Provimento n.º 141/2023 e 146/2023.


Alise Andreia Formenti

Tabeliã e Registradora Civil, Especialista em Direito Notarial e Registral, Professora do Projeto Estudos Notariais.

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